02 janeiro 2007

OUTRA VEZ A COMÉDIA DO ABORTO

Vem aí o referendo sobre o aborto. O texto seguinte não foi elaborado a pensar nesse evento, mas aqui o transcrevo, pela a actualidade de que se reveste.

E mais mulheres a contas com a justiça. Com a justiça dos homens, claro. Coitadas das mulheres!
Não há dúvida que o mundo em que vivemos é mesmo dos homens. E se ao nosso planeta deram um nome feminino – Terra – talvez tenha sido para mais facilmente acabarem com ele, como vem acontecendo. De resto, os poderes que sobre ele imperam e o caracterizam desde que nele se implantaram foram e são predominantemente masculinos.
Desses poderes saiu a invenção de Adão, como homem, o primeiro, e de Eva como a primeira mulher. Primeira mulher que não teria surgido se Adão não existisse já. E a Adão teve Eva de ficar eternamente agradecida pela costela que lhe roubou para dela se gerar. Adão, o primeiro, de quem a mulher se tornou submissa servidora até aos dias de hoje.
Desses poderes masculinos saiu a invenção de deuses, de todos os deuses e de um outro que se tornou único e eterno, de um outro Deus que masculino também teve de ser, a cuja imagem os homens se julgam semelhantes para que os seus poderes se legitimem.
E a Deus, a esse Deus, os homens legaram o poder que aos homens interessa: poder de castigar, sobretudo, para que a justiça deles tenha o despacho favorável do Céu.
Justiça (deles), vocábulo do género feminino para que o seu referente possa ser usado segundo os interesses dos poderosos. Poderosos que, por serem homens, subestimaram a mulher, designando-a como do sexo fraco – mas a quererem dizer de fraco sexo –, a quem destinaram posição bem inferior.
A própria Igreja Católica – para me referir a um dos credos quantitativamente mais expressivos entre nós –, comandada que é por homens, ao mesmo tempo que exalta e entroniza a mulher, também a desonra e endemoninha, fazendo assim sobressair a superioridade de uma instituição de homens. No primeiro caso, santificando-a para que os homens demonstrem, uma vez mais, até nesse âmbito, o seu poder. No segundo, responsabilizando-a pelo mal ou parte do mal que acontece, ilibando-se eles próprios dessa responsabilidade. E em função dos respectivos interesses inventaram virgens e prostitutas.
As primeiras, de que Maria de Nazaré ainda é paradigma, para que, em consequência, com mais poderes se julguem, até para atribuir qualidades divinas a quem lhes convém.
As segundas, de que Maria Madalena é exemplo, para – em conformidade com o princípio de perversidade a que tiveram de obedecer, quando na pessoa de Eva ousaram contrariar os poderes do homem deus – as conservar na sua condição de coisa desprezível, sem a dignidade de entes espirituais, dignidade de que os homens se apropriaram para se posicionarem bem acima delas.
Coitadas, até no domínio da espiritualidade tiveram de esperar séculos para passarem de enteadas a filhas de Deus. Nem a experiência do sódio na mucosa oral, à hora do baptismo, nem o estremeção provocado pela benta água, na mesma hora, as ajudaram a alcançar mais cedo a filiação e a posição de paridade a que tinham direito.
Apesar da evolução do seu estatuto – estatuto de coragem para reivindicarem direitos equivalentes aos do sexo oposto – produzir já efeitos favoráveis, as mulheres continuam a ter de se cingir às regras ditadas pelos homens, sobretudo naquilo... para que no entender e no querer deles elas apareceram no mundo. Até no que respeita à conservação da espécie, pois a obrigação de parir é delas, para dar aos homens filhos machos, como os homens geralmente querem, seja ou não custoso expulsá-los de si para fora. Produzir aquilo a que a ignorância designa de milagre é o que importa, para se dar graças a Deus, cuja controversa vontade tem de prevalecer, por ser de origem masculina, quem sabe?!
Tem de prevalecer mesmo contra a vontade de quem, independentemente das circunstâncias em que as coisas acontecem, emprenha sem o desejar e se obriga, sabe-se lá porque razões, a esvaziar-se antes que a barriga aumente demasiado, sujeitando-se às consequências, com a justiça à espreita, sempre a espera de poder justificar-se.
Mas as mulheres não são hermafroditas. Sem um parceiro macho não engravidam. Parceiro que é muitas vezes o principal se não mesmo o único responsável pelas gravidezes indesejadas. Quem não sabe disso?
O que eu não sei é porque têm de ser apenas as mulheres a sofrerem as consequências quando não querem parir gente.
E lá vemos as manifestações pró-aborto, a Igreja a expressar preocupações e os políticos a opinarem a favor ou contra, intrometendo-se na questão, mas nunca se sabendo se por convicção ou se por conveniência.
Manifestações, preocupações, opiniões e mais ou menos hipocrisia de quase toda a gente. Mas são as mulheres que abortam a ter de prestar contas. Prestar contas à justiça inventada por homens e geralmente por homens levada a cabo, facto que talvez explique muito desta questão.
Desta questão, deste problema que só se atenuará quando aos homens responsáveis e co-responsáveis pelas gravidezes contraídas contra a vontade das mulheres for atribuída a consequente responsabilidade criminal relativamente aos correspondentes casos de aborto injustificável, sujeitando-os também à desagradável situação que o banco dos réus sempre implica.
Este ponto de vista – ou mera utopia? – não pretende a duplicação ou repartição de eventuais penas judiciais, pois isso não corresponderá a solução alguma. Resulta apenas do desejo de que o fenómeno do aborto injustificável deixe de fazer parte da miséria humana.
Só que o mundo continua a ser dos homens!

3 de Julho de 2006
AO 666 DOS U.S.A.

Com que então mandaste dependurar o homem, e pronto. Cumpriu-se, hoje, a tua vontade!
Que bela maneira de terminar o ano, não?
Pensarás tu que saíste vencedor?
Não, não saíste. Basta o facto de seres um filho da..., da humanidade, para saíres perdendo, uma vez mais.
E teimas em querer exportar a democracia e a justiça produzidas no teu quintal! Que belos valores tens para oferecer!

O tipo era criminoso? Pois era. Com quem teria aprendido?
E tu, já calculaste os crimes perpetrados pela democracia e pala justiça que chancelas?
Quem virá a ser o teu algoz?

30 de Dezembro de 2006